Por que ler esse livro?
– Com o aumento no número de profissionais e estudantes de Fisioterapia, torna-se essencial refletir sobre a formação e a capacitação na área. O livro traz os fundamentos necessários para construir as aptidões profissionais do fisioterapeuta de modo que sua atuação seja mais significativa, ampla e socialmente relevante.
– Capítulos atualizados e novos capítulos com temas e conhecimento produzidos nas últimas décadas sobre assuntos essenciais para a evolução do campo da Fisioterapia e de áreas de conhecimento relacionadas.
– Útil para qualquer profissional de nível superior, professor universitário, pesquisadores do ensino ou administradores de instituições de ensino superior, desde coordenadores de curso até reitores de universidades.
Resenha
Aprendizagem e desenvolvimento de comportamentos humanos em campos profissionais: o campo de trabalho dos fisioterapeutas
Sílvio Paulo Botomé e José Rubens Rebelatto
A resenha de uma obra é mais do que seu resumo. E deve ter pelo menos duas funções: apresentar a obra e fazer sua avaliação, preferencialmente crítica. No caso desta resenha da terceira edição do livro “Fisioterapia no Brasil – fundamentos para uma atuação preventiva e para a formação profissional” (Editora Manole, 2021, 3ª ed.) será enfatizado o papel de apresentação (e, talvez, divulgação). A terceira edição do livro foi elaborada com suas “atualizações” 34 anos depois da primeira edição. Nesse tempo parece que a edição original foi amplamente utilizada no ensino de Fisioterapia no Brasil, uma profissão que se configurou a partir da década de 1990 neste país. Os dois autores, um psicólogo e um fisioterapeuta, ambos pesquisadores e professores universitários conceberam o trabalho como um exame de dois processos: comportamentos profissionais (os básicos) que configuram o campo de atuação profissional e aprendizagens apresentadas nos planos de ensino oficiais de cursos de graduação em universidades nacionais e na legislação reguladora desse tipo de ensino.
O exame inicial, feito nas últimas duas décadas do século 20, envolveu alguns cursos pioneiros no ensino do campo da fisioterapia brasileira. A terceira edição acrescentou um exame e alterações na obra original a respeito de conceitos que foram desenvolvidos nos últimos 30 anos no campo de atuação em saúde e na área de conhecimento relativa ao comportamento humano produzido e sistematizado no âmbito da Psicologia. O destaque a algumas relações entre a Fisioterapia e a Psicologia foi feito como uma contribuição ao desenvolvimento dessa interação. Alguma problematização em relação ao ensino, ao conhecimento e ao campo de trabalho foi feita na direção de ressaltar que a experiência universitária e a burocracia do sistema podem limitar o entendimento, o exercício e a própria amplitude e eficácia social da profissão durante muito tempo.
Uma das novas contribuições dessa terceira edição está relacionada a ampliar o que, trinta anos antes, era enfatizado na direção da “prevenção no trabalho em saúde”, abrangendo outros sete âmbitos de atuação além dos comportamentos profissionais preventivos. Com uma ampliação importante para entendimento das possibilidades (e necessidades) de atuação profissional no que ficou sob a denominação abrangente de “campo do trabalho em saúde”, em particular a Fisioterapia. Para localizar esse conjunto de possibilidades de atuação profissional, os autores começam indicando indefinições e lacunas do campo de atuação profissional em Saúde e indagando, como orientação para o exame que se seguirá, quais delas permanecem em tempos atuais. Um dos destaques em relação às indefinições e lacunas no campo de atuação é apresentado em seguida com a indicação de alterações na concepção do que seja o objeto de trabalho em Fisioterapia em diferentes épocas da constituição da profissão e do campo da saúde. Na sequência, os autores examinam o surgimento e a legislação reguladora da Fisioterapia no Brasil destacando o que ficou entendido como objeto de trabalho desse campo de atuação profissional em seu início de exercício no país. Cada leitor poderá avaliar o quanto esses problemas permaneceram nas décadas seguintes. A avaliação dos leitores é um dos objetivos dos autores com a construção do texto, mais do que qualquer mera leitura ou adesão ao que está nele apresentado.
Em uma segunda parte do conjunto de capítulos do livro os autores examinam especificamente a formação profissional no âmbito dos cursos universitários brasileiros da época de início dessa profissão no Brasil, destacando o que foi proposto para ser aprendido e suas influências na delimitação do objeto de trabalho da profissão. O exame assim feito possibilitou avaliar a influência do ensino superior na configuração desse campo e sua contribuição social. Como complemento desse exame, na bibliografia utilizada no desenvolvimento das disciplinas dos cursos de graduação, foi estudado o que era destacado como objeto de trabalho do campo de atuação nas primeiras décadas de existência da profissão no país. A razão desse destaque foi considerar que as experiências de ensino superior, além das aprendizagens nele desenvolvida, são marcantes na configuração de uma tradição orientadora para o exercício profissional e para o entendimento do desenvolvimento do que aconteceu com a Fisioterapia no Brasil.
Em prosseguimento, os autores apresentam um exame da Fisioterapia como campo de atuação e como ensino superior no país, especificando aspectos de desenvolvimento, de possibilidades e de equívocos que permanecem até o começo da terceira década do século 21. Tal exame é completado pelo esclarecimento de algo que surge no Brasil como uma possibilidade importante para ao desenvolvimento do ensino superior de profissões no Brasil: o ensino de competências e o papel de um currículo de graduação baseado em competências profissionais e não em temas, assuntos, conceitos, técnicas, atividades, projetos, problemas ou tarefas de qualquer ordem. Com destaque para a concepção de currículo de curso de graduação como um “projeto dos comportamentos profissionais” a desenvolver como constituintes, orientadores e delimitadores do exercício profissional e da própria abrangência e responsabilidade de qualquer campo de atuação na sociedade. Um papel fundamental dos cursos superiores em relação à contribuição social da profissão é o núcleo desse exame, o que parece exigir uma avaliação ainda mais minuciosa do que cabe ao ensino superior garantir em relação ao exercício do campo profissional e sua inserção no âmbito das profissões da Saúde.
O que os autores examinam e detalham na continuidade da obra diz respeito mais enfaticamente a possibilidades de desenvolvimento da profissão por meio do entendimento da função ou papel do ensino superior e de sua gestão, tanto nos cursos de graduação quanto em outras possibilidades de formação profissional de agentes de saúde pelo trabalho das universidades. A começar pelo que pode representar o ensino de competências como delimitação do papel ou da responsabilidade das instituições universitárias no desenvolvimento das profissões como uma forma de acesso ao conhecimento de melhor qualidade por parte das pessoas na sociedade.
O ensino de competências em Fisioterapia, há trinta anos já regulamentado por legislação, é o caso em que são concretizados os exemplos e conceitos examinados no livro. As relações entre o conceito de competências com os de “informação”. aptidão, habilidade, destreza ou especialização (“expertise”) e comportamento humano são consideradas uma base para o entendimento da possibilidade de realização do ensino superior como uma condição de desenvolvimento das capacidades em um grau de competência como responsabilidade específica (ou papel social) e como exigência de perfeição (preparação mínima) para a realização de um trabalho de nível superior na sociedade. O ensino para ser considerado “superior” tem como referência a função da universidade na capacitação das novas gerações para exercerem seus ofícios com alto grau de competência, pertinência ao campo de atuação e perfeição de execução, no sentido de complexidade e atualização científica ou filosófica e não como um grau de hierarquia em relação a outras profissões. Nesse ensino, os autores também examinam, os conceitos de comportamento humano e de objetivo de ensino como cruciais para constituir um conhecimento coerente para o desenvolvimento de comportamentos compatíveis com o que pode constituir, de acordo com os conceitos examinados, um ensino superior e uma formação profissional.
Os dois conceitos, comportamento e objetivo de ensino, precisam ser adequados, no que tange ao desenvolvimento social e à atualização do ensino superior, ao que efetivamente configura as necessidades dessa sociedade e as possibilidades de contribuição das profissões para o atendimento dessas necessidades. E não apenas para as que são criadas ou convencionadas pelo entendimento de algum conhecimento do passado ou de versões convenientes a interesses, ideologias ou percepções que possam ser parciais, equivocadas ou oportunistas.
Nos capítulos finais, os autores apresentam um exame das possibilidades de ensino superior e de construção do conhecimento científico como suportes para o desenvolvimento dos campos de atuação profissional e do próprio papel das universidades, em particular em relação ao conhecimento e ao exercício profissional em Fisioterapia. A estrutura, a organização e a gestão do ensino superior como instrumentos de realização e administração dos processos de produção de conhecimento, de formação profissional de nível superior e de acesso ao conhecimento em um trabalho de educação permanente e diferenciada ao longo da vida das pessoas na sociedade são, embora de maneira sintética, uma parte de encerramento do livro. E, como tal, pode ser considerado o mote de todo o texto. Pelo menos como orientação geral para o que precisamos levar em conta para avaliar o que fazemos (inclusive a redação e a leitura deste livro) como parte de nossa contribuição social. Não só como agentes de realização, mas também de administração e de gestão dessa própria contribuição.
O último capítulo, ainda como mais um aspecto de “encerramento do livro”, destaca as possibilidades de delimitação da atuação profissional em relação a um objeto de trabalho, ao conhecimento científico e ao ensino superior como um problema a ser resolvido com nossas atuações e não apenas com debates, conceitos ou legislação por “administradores”, “gestores” ou “acadêmicos’ interessados mais nos benefícios (incluindo poder e “status”) a usufruir e, muitas vezes, ostentar, do que realizar na sociedade em construções sólidas, alicerçadas em um conhecimento integrador e constantemente avaliado, assim como em avaliações permanentes ou contínuas do que é feito como serviço aos que constituem a sociedade com suas vidas e condições para realizá-las.
Vários dos aspectos examinados no livro são pertinentes a múltiplas profissões, particularmente as de nível superior e aos que se preparam para exercê-las. Talvez por isso o exame apresentado pelos autores possa ser considerado mais uma provocação para avaliação do ensino superior do que qualquer exame restrito apenas ao ensino e desenvolvimento da aprendizagem da profissão de fisioterapeuta. O que, de certa forma, convida a ler o livro mais como uma avaliação do ensino superior, no caso específico do ensino de fisioterapia, do que apenas um exame particular do que pode constituir sua aprendizagem técnica. As técnicas estão sendo consideradas predominantemente como instrumentos das competências mais abrangentes que constituem o “perfil comportamental” da profissão. Algo que é muito mais do que uma mera adoção ou repetição do uso de instrumentos que sempre dependem de uma decisão profissional contextualizada pelas condições existentes e pela direção definidora dos resultados relevantes de um processo de intervenção específica. Tudo isso a ser feito por meio das competências próprias da profissão como suportes para as atividades rotineiras do exercício profissional e das decisões de cada caso que suscitar essas atividades.
Enfim, a orientação dos autores parece ser não “dar respostas” ou “oferecer receitas” para realizá-las, mas a de construir uma oportunidade de aumento da visibilidade do que precisamos observar (como condição, resultado ou atividade) em relação ao que é considerado como “exercício profissional”, “aprendizagem de nível superior”, “ensino universitário” e uma amostra de alguns conceitos que podem ajudar a avaliação em relação ao que fazemos e aos conceitos com os quais estamos envolvidos e que, de alguma forma, utilizamos em nossas interações sociais, sejam elas de natureza científica, filosófica, política, econômica (e até financeira), ideológica e, mesmo, ética ou moral. Se isso tudo puder interessar, por favor, não apenas leia o livro e o entenda, mas o avalie em relação ao que está existindo e sendo feito no âmbito de sua percepção, atuação ou entendimento. Uma avaliação cuidadosa e pessoal que envolva as próprias decisões e comportamentos de intervenção é mais importante como objeto de uma leitura do que qualquer outro aspecto que possa estar envolvido com o exame do que um livro nos apresenta e, tomara, informe de maneira adequada e relevante. Principalmente para professores ou estudantes no campo da Fisioterapia e da Saúde.
Os autores agradecem qualquer avaliação sua a respeito do livro. Nossos votos de que ele seja útil para os interessados em construção de perspectivas para o desenvolvimento da profissão, do ensino superior, da pesquisa (particularmente em relação ao trabalho no campo da Saúde) e aos processos de administração e gestão de cursos profissionais e das instituições universitárias. As contribuições são poucas e talvez microscópicas, tomara que sejam inversamente proporcionais no papel de sua contribuição para o desenvolvimento desses tipos de trabalho e conceitos com eles envolvidos nos processos de sua realização. Uma boa leitura para os que considerarem que vale a pena fazer isso.